Há pouco menos de um ano, quando fomos escolhidos na consulta de opinião promovida pela Gazeta Mercantil, e divulgada por ocasião do lançamento da revista Balanço Anual, concordamos em que seria conveniente nos reunirmos periodicamente em um Fórum para debater os grandes problemas nacionais. Já estava claro que o momento brasileiro exigia dos empresários, mais do que nunca, reflexão sobre questões de grande amplitude. O debate sobre estas questões, porém, tende a ser ofuscado por uma conjuntura econômica e política particularmente complexa.
Exatamente por isso, escolhemos tomar a perspectiva dos próximos dez anos para alinhar várias ideias sobre alguns de nossos problemas comuns e os da sociedade brasileira, para servir de subsídio a uma reflexão maior.
Na qualidade de dirigentes de empresas e, como tal, conscientes da dimensão social e mesmo política de nossa atividade, pensamos submeter nossas ideias ao exame dos vários setores da sociedade brasileira e, em especial, dos homens públicos e do empresariado. Desejamos exprimir nossa concepção sobre os rumos do desenvolvimento econômico, fundado na justiça social e amparado por instituições políticas democráticas, convencidos de que estes são, no essencial, os anseios mais gerais da sociedade brasileira. Se, porventura, as opiniões aqui expressas servirem de alguma forma para delinear os caminhos do futuro, acreditamos ter dado, ainda que modestamente, nossa contribuição de cidadãos atuantes.
1. A economia brasileira, todos sabem, sofreu em poucas décadas alterações profundas. Hoje já ultrapassamos a condição de meros exportadores de produtos primários e estamos caminhando para um estágio industrial avançado. Nossa base produtiva abriga alguns aspectos e algumas atividades típicas de economia madura, muito embora, em conjunto, ainda estejamos sofrendo o impacto negativo de regiões atrasadas e de grandes parcelas da população ainda à margem do processo econômico. Tudo faz crer que o desenvolvimento futuro continuará fortemente determinado pelo desempenho da indústria, respaldado numa atividade primária solidamente orientada e estruturada. A convicção de que esta é uma realidade sugere que é preciso identificar as linhas mais gerais de uma política industrial capaz não só de consolidar o parque existente como de promover sua rápida diversificação. Esta é a melhor forma que vislumbramos para enfrentar de maneira adequada um quadro internacional desfavorável, cujos contornos infelizmente deverão persistir nos próximos anos.
A ênfase no desenvolvimento industrial - e sobre isso parece haver consenso - deverá repousar sobre a indústria de base, Neste sentido, cumpre hierarquizar corretamente as prioridades, abandonando objetivos inatingíveis, e executar com eficiência o programa de substituição de importações. Evidentemente, os demais setores, em especial o de bens de consumo de massa, deverão acompanhar o ritmo de expansão da indústria de base, de modo a se evitarem estrangulamentos.
Sabemos que o almejado equilíbrio entre os três protagonistas principais do processo de industrialização ainda está longe de ser alcançado. A empresa privada nacional padece de fragilidade preocupante, a empresa pública escapou dos controles da sociedade e a empresa estrangeira não está disciplinada por normas mais adequadas e claras de atuação.
A tarefa de fortalecimento da empresa nacional exige, fundamentalmente, discernimento em relação a três pontos: criação de mecanismos de capitalização, disponibilidade de tecnologia e critérios dê sua absorção e uma política correta de gastos do governo e das empresas estatais.
A debatida questão da capitalização da empresa nacional, quaisquer que sejam as soluções técnicas adotadas, gira em torno da disponibilidade de fundos a longo prazo, que suportem os programas de expansão e modernização. É condição essencial para a promoção de investimentos de grande porte e longa maturação - em que as taxas de risco são maiores e os mecanismos de mobilização do capital, mais complexos - uma rearticulação entre o sistema industrial, o sistema financeiro privado e o sistema público de financiamento.
Caso contrário, é possível que venhamos a assistir à reprodução de descontinuidades no processo de investimento, ao agravamento das já inquietantes margens de endividamento das empresas privadas, tudo isso concorrendo para a perpetuação das disparidades tecnológicas e de escala da empresa nacional frente às suas congêneres estatais e estrangeiras.
Concomitantemente, persistirá o tradicional comportamento do sistema financeiro privado, aprisionado entre aplicações de curto prazo e imobilizações pouco produtivas, sem condições de assumir os riscos inerentes a um processo dinâmico de acumulação de capital.
A estas vicissitudes do sistema financeiro privado correspondem desequilíbrios do sistema público de financiamento, condenado a uma vinculação de seus fundos a programas específicos, com perda desnecessária de flexibilidade nas aplicações, ou à esterilização financeira dos recursos excedentes, quer das empresas estatais, quer dos fundos públicos.
As distorções da estrutura financeira têm outras implicações da maior gravidade. A incapacidade do sistema financeiro em prover recursos de longo prazo para um sistema produtivo conduziu à busca de fundos externos, para atender à demanda das empresas que procuravam atender as oportunidades de investimento.
O endividamento externo em grande escala, que inicialmente cumpria função não desempenhada pelo sistema financeiro nacional, com desaceleração da economia mundial e, posteriormente, da brasileira, passou a se constituir no mecanismo básico de especulação e de elevação de taxas de juros. O afã governamental de promover a entrada de empréstimos externos, para pagar os juros e amortizar o principal da elevada dívida já contraída, tem levado as autoridades a forçarem a manutenção de taxas de juros internas artificialmente altas ou, pelo menos, a não se esforçarem por lhes reduzir o nível.
Simultaneamente, o aumento sistemático das reservas cambiais, obrigando a expansão da base monetária, conduz o governo a uma política de dívida pública destinada a enxugar o "dinheiro de câmbio". Com isso, os títulos públicos passam a oferecer taxas de rentabilidade cada vez mais elevadas, o que, por sua vez, vai fazendo subir o patamar da taxa de juros. Essa ciranda financeira eleva desmesuradamente os custos das empresas, constituindo-se numa das grandes fontes de realimentação inflacionária. Além de conseqüências danosas sobre os preços, esta política penaliza as exportações, ao impedir maiores desvalorizações cambiais, devido ao efeito que produziriam sobre as empresas públicas e privadas endividadas em moeda estrangeira. Isto se torna mais grave ainda se levarmos em consideração as restrições tarifárias e não tarifárias que ameaçam nossas exportações, num quadro internacional extremamente competitivo e potencialmente protecionista.
Estas distorções do sistema financeiro impedem que o Estado pratique uma política de dívida pública capaz de ajudar a sanar os problemas sociais urgentes que enfrentamos.
A reforma financeira parece-nos condição indispensável para a execução de qualquer política econômica e industrial nos próximos anos. E isto supõe uma reavaliação do papel do endividamento externo e de suas implicações no âmbito interno.
Outra questão relevante que gostaríamos de suscitar diz respeito á formulação de uma política de produção, absorção e adaptação de tecnologia. Esta política deve ser definida e implementada a partir das próprias prioridades do desenvolvimento industrial e da disponibilidade de recursos naturais. Especial atenção deve ser dirigida para a investigação de novas fontes de energia e aqui, particularmente, devem ser respeitados os critérios de nossas potencialidades naturais e humanas Complementarmente, a transferência de tecnologia requer providências de duas naturezas: em primeiro lugar, os critérios adotados pelo governo devem ser mais flexíveis, de modo a levar em conta a diversidade de situações e a experiência que os próprios empresários já adquiriram nas negociações com os fornecedores internacionais; Em segundo lugar, é sabido que não se pode pensar numa política efetiva de transferência de tecnologia, sem que se regule de maneira coordenada o ingresso de capitais externos, aos quais deveriam ser aplicados critérios de seletividade, pois a simples não concessão de incentivos é insuficiente para impedir investimentos supérfluos, suscetíveis de causar sérias perturbações de mercado.
A consecução de uma política industrial que solucione as questões de homogeneização tecnológica, de escala, bem como de manutenção de níveis adequados de demanda, requer um programa de compras a longo prazo por parte do governo e das empresas estatais. As empresas públicas, em particular, devem estar subordinadas à política industrial, de modo a evitar distorções provocadas por seu comportamento descontrolado e prejudicial aos interesses maiores da economia nacional.
O outro protagonista a que aludimos, a empresa estrangeira, tem desempenhado um papel inegável na construção da economia de mercado no Brasil. E nem desejamos prescindir de sua participação no futuro. Mas já está na hora de valorizar o poder de atração do mercado brasileiro através da fixação de uma política de entrada de capitais de risco. Devemos definir com precisão regras disciplinadoras do ingresso das empresas estrangeiras, a partir das conveniências nacionais, estabelecidas pela política industrial em seu conjunto. Não se trata, apenas, de estabelecer restrições, senão de oferecer princípios duradouros que permitam um convívio proveitoso para a Nação entre os parceiros, salientando-se o caráter complementar da contribuição estrangeira ao nosso próprio esforço de desenvolvimento nacional.
Finalmente, julgamos necessário chamar a atenção para o problema do estímulo à pequena e média empresa, base da livre iniciativa. É certo que a política governamental neste campo exige esforços redobrados, tanto no que diz respeito à disponibilidade de recursos suficientes para expansão e modernização quanto no que se refere a apoio tecnológico e assistência técnica direta. Seria conveniente um exame da possibilidade de se dilatarem os prazos de recolhimento dos impostos indiretos, para minorar suas carências de capital de giro, agravadas neste momento pelas altas taxas de juros.
A efetivação de uma política industrial, nos moldes que estamos preconizando, supõe uma participação ativa do empresariado em sua elaboração. Os órgãos encarregados de sua formulação deverão abrigar representação dos industriais, que poderão assim emprestar sua experiência e conhecimento no desenho das grandes linhas daquela política, ainda que não interferindo nas decisões administrativas.
A execução desta política tem como pressuposto um comportamento da agricultura capaz de respaldar o crescimento industrial, quer do ponto de vista do fornecimento de insumos e alimentos, quer pela provisão de divisas, quer pela ampliação dos mercados de trabalho e consumo, quer como base de apoio para a agroindústria. Em outras palavras, esperamos que a agricultura mantenha o bom desempenho do período de industrialização.
No entanto, como industriais, reconhecemos que as tarefas futuras da agricultura exigirão cuidados muito maiores. As políticas de crédito, de preços e de abastecimento de insumos têm revelado caráter imediatista, levando o produtor à incerteza e introduzindo pressões desnecessárias sobre o custo de vida. A ausência de uma infra-estrutura de armazenagem e escoamento das safras, capaz de evitar a perpetuação de oscilações violentas de preços, agravadas pela ação de estruturas de comercialização inadequadas, compromete a renda do produtor e a regularidade da oferta. Já é hora de incorporar os autênticos representantes do meio rural na formulação de uma política agrícola capaz de garantir não só a expansão do abastecimento interno como também de evitar políticas inadequadas na comercialização externa das safra
2. Por estarmos abordando alguns aspectos do que nos parecem ser problemas básicos da Nação, não poderíamos omitir a importante questão social. Todos sabemos que o processo de desenvolvimento econômico convive com desigualdades sociais profundas. Sabemos também que as origens destas desigualdades são remotas e de natureza diversa. Mas devemos admitir que sua presença na cena brasileira se tornou crítica, pondo em risco, a longo prazo, a estabilidade social e exigindo, de imediato, soluções compatíveis com as exigências de uma sociedade moderna.
Qualquer política social conseqüente deve estar baseada numa política salarial justa, que leve em conta, de fato, o poder aquisitivo dos salários e os ganhos de produtividade médios da economia. A partir deste patamar, poder-se-ia, então, atender ás diferenças setoriais, abrindo espaço para a legítima negociação entre empresários e trabalhadores, o que exige liberdade sindical, tanto patronal quanto trabalhista, e dentro de um quadro de legalidade e de modernização da estrutura sindical.
Não basta, porém, no quadro brasileiro, a implementação de uma política salarial compatível. É necessário que o Estado enfrente as carências gritantes em matéria de saúde, saneamento básico, habitação, educação, transportes coletivos urbanos e de defesa do meio ambiente. Não desconhecemos as dificuldades que se antepõem a resolução desses problemas, nem mesmo ignoramos que exigem prazos relativamente longos. Por isso mesmo, a necessidade de se ampliar a escala dos investimentos públicos nesta área. A magnitude dos recursos exigidos para consecução deste programa requer, pelo menos, providências em duas direções: revisão do sistema tributário, combinada com um manejo adequado da dívida pública, e racionalização do gasto público.
A revisão do sistema tributário deve estar concentrada em dois pontos: tornar mais equânime o imposto de renda das pessoas físicas, taxando progressivamente as rendas de capital e reavaliar os incentivos fiscais de modo a carrear recursos para áreas mais prioritárias que algumas das atendidas na legislação atual.
A dívida pública é um instrumento válido de capitação de recursos, desde que seja manejada com critérios apropriados, diferenciando-se as taxas de juros em benefício dos títulos públicos de prazo mais longo. Não se trata de carrear em grande escala recursos adicionais para o Estado, senão de reaproveitar os recursos financeiros já existentes de forma mais produtiva, retirando a dívida pública do emaranhado especulativo em que se encontra.
Quanto à racionalização do gasto, é notário que muito à fazer na direção de um emprego mais produtivo e eficiente dos dinheiros públicos, quer estabelecendo prioridades mais refletidas, quer conferindo maior austeridade à gestão do Estado.
No quadro das desigualdades não pode ser omitida a situação das regiões menos desenvolvidas. Neste caso, as políticas de desenvolvimento regional colocadas em prática necessitam urgente revisão. São flagrantes as distorções que engendraram, desconsiderando o aproveitamento adequado da agricultura, deixando de lado as exigências de emprego e dando mesmo margem ao surgimento de empresas industriais baseadas em incentivos permanentes.
Os gastos sociais podem servir de apoio para a recuperação plena da economia, iniciando um novo período de expansão, desde que, é verdade, sejam solucionados concomitantemente os problemas financeiros que mencionamos. A subida criteriosa dos salários reais significará um alargamento de mercado para o setor produtor de bens de consumo; e o programa de investimentos públicos em infraestrutura urbana terá um poderoso efeito dinamizador sobre a indústria de bens de produção, levando à absorção de sua capacidade ociosa e, em seguida, reativando os investimentos privados e proporcionando a criação de empregos na proporção exigida pelo crescimento demográfico.
3. Acreditamos que o desenvolvimento econômico e social, tal como o concebemos, somente será possível dentro de um marco político que permita uma ampla participação de todos. E só há um regime capaz de promover a plena explicitação de interesses e opiniões, dotado ao mesmo tempo de flexibilidade suficiente para absorver tensões sem transformá-las num indesejável conflito de classes – o regime democrático. Mais que isso, estamos convencidos de que o sistema de livre iniciativa no Brasil e a economia de mercado são viáveis e podem ser duradouros, se formos capazes de construir instituições que protejam os direitos dos cidadãos e garantam a liberdade.
Mas defendemos a democracia, sobretudo, por ser um sistema superior de vida, o mais apropriado para o desenvolvimento das potencialidades humanas. E é dentro desse espírito, com o desejo de contribuir, que submetemos nossas ideias ao debate do conjunto da sociedade brasileira, e em especial, de nossos colegas empresários e dos homens públicos.
Antônio Ermírio de Moraes
Cláudio Bardella
Jorge Gerdau
José Mindlin
Laerte Setubal Filho
Paulo Vellinho
Paulo Villares
Severo Gomes
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